
Nossa Praça de Esportes de Todos os Tempos
(De quando foi fundado no Poço de Antônio dos Anjos, de quando era Ateneu [o outro),e de muitas medalhas e troféus de campeã)
Haroldo Lívio
N o princípio, era o Ateneu, que não é o mesmo Ateneu de hoje, se fez Montes Claros Tênis Clube. Quem sabe contar a história de nossa tradicional agremiação esportiva, da qual o montesclarense tanto já se orgulhou longo tempo, de sala de visita da cidade, é o historiador Hermes de Paula, em sua monografia Montes Claros - Sua história, sua gente, seus costumes, 2a edição, de 1979. Na página 236, do volume l, o pesquisador de nosso passado conta como surgiu a Praça de Esportes, desde o gênese de sua germinação:
A 14 de agosto de 1936 reuniram-se no poço de Antônio dos Anjos, no Rio Vieira, vários rapazes, amantes do esporte e fundaram a Associação Atleticana Ateneu, composta inicialmente dos seguintes sócios: Joaquim Soares da Silva, Lívio Peres, Aurelino José Silva, Antônio Teixeira, Emídio Teixeira, José Laércio Peres Silv ira, Antônio Lafetá Rebello, Antônio Mendes, Geraldo Oliveira, José Fialho, Antônio Fialho, João Prates, Olímpio Teixeira, Vicente Costa, Marcelo e outros.
O Ateneu chegou a contar com mais de duzentos associados de ambos os sexos, todos entusiasmados, não somente com esporte (basquete, futebol, vôlei, tênis etc.), como também pelo atletismo.
Apesar de bem organizado, o clube se dissolveu em 1940 para constituir o Montes Claros Tênis Clube, que ficaria com o nome de Ateneu, mas o prefeito de então, o doutor Santos, não pôde cumprir sua promessa ... e o entusiasmo dos rapazes não resistiu ao golpe. Até hoje Montes Claros não conseguiu mais a prática de esportes e atletismo com aquele espírito do Ateneu.
A Praça de Esportes de Minas Gerais, do Montes Claros Tênis Clube, como bem indicam os nomes do conjunto esportivo e da entidade mantenedora, respectivamente, é fruto de um convênio de cooperação entre a Prefeitura, na gestão do doutor Santos, e o Estado, quando governado por Benedito Valadares, que sempre se mostrou simpático a esta cidade. A construção da Praça, em sua concepção original, da qual não faz parte o ginásio coberto, nem as piscinas infantis, custou a importância de, aproximadamente, mil e duzentos contos, cabendo mais de novecentos à Prefeitura e o restante ao Estado. Essa quantia, naquela época de moeda estável, significava uma fortuna. A inauguração da Praça, em 1942, veio modificar os hábitos pachorrentos e provincianos da antiga Montes Claros das ruas de Baixo e de Cima, e segundo observadores da grande transformação, veio abrir clareiras na mentalidade acanhada de nosso povo e, sobretudo, criou infinitas oportunidades de aprimoramento cultural e físico para jovens e crianças. Muito jovem que passou a freqüentar a Praça e a figurar entre os militantes nas quadras esportivas e na piscina, encontrou ali, em meio ao ambiente colorido de verde e juventude, a chance de conviver com as pessoas do mais alto nível social da cidade. Por ser atleta, o jovem andava apenas com boas companhias, adquiria um pensamento positivo de elite e procurava o melhor caminho para o futuro. Fugia dos vícios, cultivando o ideal do belo físico, aprendia disciplina com os instrutores e, principalmente, tornava-se competitivo. Queria ser alguém, queria subir na vida, e sabia que a única via que leva ao sucesso pessoal e a do trabalho e do estudo. A Praça de Esportes, assim, para muitas gerações de jovens montes-clarenses, foi o vestibular para o êxito na carreira escolhida e para ocupar o lugar que todos cobiçam no espaço da sociedade sadia e vitoriosa.
Graças ao meio evoluído e hígido, as famílias sempre permitiram aos jovens e às crianças a freqüentar sem restrições às dependências da Praça, onde encontravam o mesmo carinho e proteção segura do lar, pois aquela era uma instituição que todo mundo procurava amparar e não permitir que caísse em mau conceito. Ser associado do MCTC, nesta cidade, era o mesmo que ser sócio do Minas Tênis, em Belo Horizonte, guardadas as devidas proporções, tanto que o uniforme azul e branco de nossos atletas foi copiado do uniforme do Minas.
NOS TEMPOS DE ZIM BOLÃO
Dos antigos atletas do Montes Claros Tênis Clube, o que mais guarda reminiscências do grêmio 'do Prado Osvaldo Cruz é o conhecido e muitas vezes condecorado João da Silva Prates (Zim BoIão) . Ele se orgulha de ser associado da Praça desde 3.12.41, portanto há 38 anos, e tem assunto para conversar horas a fio, se encontrar;com quem queira relembrar os tempos áureos da Praça de Esportes, quando por lá fervilhava o entusiasmo juvenil e o desejo dos jovens de estarem em dia com o que de mais moderno houvesse em matéria de esportes especializados. Porque na Praça não havia departamento de futebol, mais tarde introduzido em forma de pelada, na pista central. O forte ali eram os esportes especializados: basquete, vôlei e natação. Zim se recorda de que os rapazes que estudavam fora, do Granbery de Juiz de Fora e em colégios de Belo Horizonte, voltavam em férias e traziam sempre novidades em técnicas esportivas.
Explica, muito bem, qual o motivo de tanta movimentação nos esportes especializados, durante o apogeu da Praça de Esportes. O Estado, naquele tempo em que o futebol estadual era inexpressivo e adstrito à Capital, destinava parte das rendas da Loteria Estadual para o incremento da educação fisica da juventude mineira, através de órgão autônomo, à Diretoria de Esportes, que 'repassava os recursos para as entidades municipais do interior. O MCTC, naturalmente, se beneficiava dessa subvenção, com a qual assegurava a participação de suas equipes de especializados em aniadas competições realizadas em todas as regiões de Minas Gerais.
A Diretoria de Esportes,esclarece o veterano atleta, concorria com toda a despesa do certame e a cidade-sede arcava apenas com o encargo da organização dos jogos e provas.
Reinava, em todas essas competições, um verdadeiro espírito de Olimpíadas. Era uma verdadeira festa, com tudo por conta do Governo e os esportistas cercados de cuidado e calor humano pelos anfitriões e colegas de competições. Excelente oportunidade para fazer amigos e promover o nome da cidade representada.
VIAGEM ATRAVÉS DE MINAS
Zim se recorda, perfeitamente, da primeira excursão de delegação esportiva do MCTC. Uma equipe de natação, sob a chefia do técnico José Laércio Oliveira, foi a Belo Horizonte, em dezembro de 1941, disputar o campeonato estadual. Membros: Caio Lafetá, Mário Ribeiro, João Valle Maurício, Vivaldo Macedo, Mário de Quinzinho e outros. Em dezembro de 1942, outra delegação do MCTC, foi a Cambuquira, sob a chefia de Toni ho Rebello, disputar o Campeonato Infanto-Juvenil do Interior, composta por: ele, Zim, Ademar Guimarães, Claudionor Lima de Oliveira, Zé de Juca, }'/Iário de Quinzinho, Amauri, Carlúcio Andrade, Caio Lafetá, Zé Ruas, Mário Moura, Clemente (Quelé) Santos, Artur Vale Neto e outros. Zim conquistou o 3° lugar, no nado de costa, e Caio, recordista brasileiro de crawl, que obtivera o 2°, foi para o Campeonato Nacional.
As equipes de nadadores foram sofrendo renovações de valores e ganhando troféus e medalhas em todas as cidades mineiras 'por onde andaram: Pará de Minas, Uberaba, Varginha, Juiz de Fora, Diamantina, Sete Lagoas, Curvelo, Conceição do Mato Dentro, Poços de Caldas, Lambari, Santos Dumont e outras mais. No início, a natação era privilégio de rapazes, depois ... depois o progresso chegou e a diretoria da Praça criou o horário feminino.
Sim. Criou-se o horário feminino, para que as donzelas de então, longe de olhares maliciosos, pudessem por as pernas de fora e também desfrutar um pouco do prazer de flutuar sem afundar. Esse horário feminino, diz o memorialista da Praça, causou um verdadeiro escândalo na época.
Nossos padrões de conduta moral,lembra Zim, eram ainda muito rígidos e não contemporizavam com qualquer abertura nos costumes da severa família montes-clarense. O chefe de família, de um modo geral, cioso de seu encargo de manter o núcleo familiar a salvo de qualquer influência malsã, principalmente de novidades introduzidas por rapazes que voltavam dos grandes centros ansiosos por subverterem as. bases de nossa sociedade patriarcal, permitia o esporte ao filho varão porém negava à moça o acesso à piscina e, conseqüentemente, ao indecente maiô inteiriço. Filha minha, de maiô, só se passar sobre meu cadáver!
Porém, mas porém, como em toda história, aparecem os subversivos que acabam solapando a vigilância. A diretoria da Praça criou o horário feminino e apareceram as feministas que puseram o maiô e foram curtir as delícias da piscina. Dizem que os rapazes ficavam ali por perto, tentando ver ,perna de moça através da cerca viva de ficus. Bons tempos, suspira Zim. O horário feminino, coitado, passou também por suas dificuldades, porque as famílias se movimentaram em protesto contra o impudício das moças semi-nuas em banhos públicos e levaram sua apreensão ao venerando bispo Dom João Antônio Pimenta.
Consta que o prelado apoiou e acolheu a censura de nossas famílias católicas e teria ameaçado ,às nadadoras com o anátema da excomunhão. Felizmente, sabe-se que ninguém chegou a ser excomungado, tudo correu no melhor dos mundos e até acabaram com o horário feminino. Criaram o horário misto - unissex - com moças e rapazes nadando juntos e juntos disputando competições em outras cidades. O horário feminino, a esta altura, já havia entrado para o folclore da Praça.
CAMPEÕES
Nas quadras e na piscina do MCTC formaram-se atletas que cobriram a agremiação de glórjas e alto, conceito nos esportes especializados do Estado. Certa vez, em BH, um petiz surdo-mudo, conhecido como Zé Mudo, ganhou a Taça Assis Vieira, fato que causou grande sensação, devido a deficiência fisica do atleta, que não podia ouvir o juiz trilando o sinal de partida no apito, para jogar se à água. Ocorre que o árbitro, ao tempo que trilhava o apito também disparava uma pistola com pólvora seca, e Zé Mudo ficava de olho na arma. Quando via a fumaça da pólvora, saltava rápido como um peixe, junto com os outros competidores. Ganhou a taça"desse Jeito. A Praça foi defendida por ótimos nadadores: Luiz Ortiga,
Joválcio Maurício (campeão brasileiro juvenil júnior), Diógenes e Zé César Vasconcelos Câmara, Haroldo Filpi,Leônidas e Gilberto Lafetá, João Jaboti, Walduck Wanderley e outros de quem a memória de Zim não consegue, lamentavelmente, se lembrar. Boas nadadoras foram Terezinha Wanderley, Estela Guerra Perez, Mercês Moura, Cristina Pinto, Dorinha Amaral e Maria de Lourdes (Fumaça) Paula. Essa gente aprendeu a nadar com Zé Laércio, Ducho, Emídio, Marinho e o mitológico Sabu - que Zinho considera um verdadeiro profissional da natação - e realmente veio a se aposentar na Praça.
Em 1952 um grande feito, quando a equipe feminina de vôlei ganhou o campeonato do Interior e tornou-se vice-campeã de Minas Gerais, ficando com seus nomes gravados para sempre na história legendária do clube. Jogaram: Lucy Mendes, Zembla Meio, Glória Bogatzky, Shirley Milo, Eunice Antunes e Moema, revezando com as Reservas Tico e Marlene Almeida. Dessas, as três primeiras integraram a seleção mineira daquele ano, na disputa do título nacional.
O vôlei masculino não deixou troféus de conquista; entretanto, alguns volistas se impuseram à admiração do público, como Terezinho Nery Santana, Piloto, Zé Teixeira, Walber Braga (jogava de óculos), Sidney Almeida, Noraldino Amaral, Raimundo Fumaça e Walter Mota Lins.
Já o basquete foi vice-campeão do interior de 1957, em Juiz de Fora, com Hélio Alcântara, Buião Tutica, Dácio Cabeludo, Diógenes e Carlúcio Avelino. Outros do ramo: Ildeu Ataíde, Ildeu Gonzaga, Diu Colares, Geraldo Gomes, Henrique Chaves, Roberto Amaral, Geraldo Barata, Marquinho ValIe, Bichara, Geraldo Pezão, Jair Renault, Zé Gomes, Márcio Teixeira, Geraldo Correia Machado, Rui Braga, Tu Peixoto e tanta gente mais.
QUEDA
Os veteranos associados acham que houve duas causas para a decadência da Praça ele Esportes como grêmio esportivo e atlético. Primeiro, a instalação da boate, dentro do conjunto, que veio tentar a juventude para os prazeres do fumo, do álcool e da futilidade social. Depois, a construção do Estádio do Mineirão, na Capital, com o desvio de verbas da Loteria Mineira antes destinadas à diretoria de esportes para incentivo dos especializados. O pior, graças a Deus, não aconteceu, que poderia ter sido o desmantelamento da Praça, com o propósito de transformá-Ia em outra coisa mais 'rentável, como um conjunto residencial do BNH ou um supermercado. Levantemos as mãos para o céu e façamos nossos agradecimentos ao Criador de todas as criaturas, porque a Praça escapou à sonha de destruição que marca a nossa era. Ela está aí, salva e em processo de melhoramento, com a construção de outro parque esportivo na parte norte do patrimônio .
A sala de visitas da cidade está por merecer um remanejamento em sua área disponível, ocupada em 1940, a fim de ser adequada à cidade tentacular de 1979. É preciso um critério mais racional de seu aproveitamento, de acordo com os novos conceitos de urbanismo e atividades comunitárias. Não há mais lugar para a Praça cívica, onde se faziam as concentrações colegiais e marciais, nas festividades de 7 de Setembro e 10 de Maio, com o professor Raymundo Netto fazendo seu indefectíve1 discurso de orador oficial. Há uma corrente de pessoas preocupadas com a utilização social da Praça, que estão vendo, em sua localização no centro da cidade, a solução ideal para o problema da crise de energia. Muito breve a ida ao clube campestre pesará no orçamento familiar, com a gasolina custando os olhos da cara. É hora de racionar o clube campestre e curtir a natureza aqui mesmo, na cidade, na Praça de Esportes.
Jornal de Montes Claros 1979
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